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Sempre é e foi e acreditamos que serão salutares as diversas discussões travadas com os professores Marco Antonio Vargas Pereira, Alexandre Ogusuku e Rui Aurélio de Lacerda Badaró acerca de diversos assuntos seja na área acadêmica, educacional e filosófica. Numa dessas discussões surgiu o assunto a respeito dos tratados internacionais e a ordem interna. O professor Rui Badaró defende que os tratados internacionais são relevantes, são celebrados pelo Chefe de Governo e que preponderam sobre a ordem interna na medida em que tudo por ser seu objeto.

Quanto ao sujeito estamos concordes que o legitimado é o Chefe do Governo para a celebração dos tratados. Com relação ao objeto verificamos grandes dificuldades. É certo que o Supremo Tribunal Federal e parte da doutrina entendem que o objeto pode ser amplo. Todavia, discordamos de se permitir que tudo possa ser objeto dos tratados. O professor Ogusuku discorda da tese do professor Rui Badaró porque o tratado internacional não pode desrespeitar a ordem interna, tese com a qual concordamos.

Segundo estudos realizados existem duas correntes que estudam os conflitos travados entre os tratados internacionais e a ordem interna e respectiva hierarquia: a) a dualista e a b) monista. A corrente dualista defendida por Triepel e Anzilloti reconhece a existência de duas ordens: uma interna e outra internacional. Dizem que elas não mantêm qualquer relação e vinculação.

A teoria dualista entende ser necessária a tramitação de projeto de lei especial especificando os detalhes do tratado.  A monista defende que a ratificação dos tratados produz efeitos paralelos tanto no direito interno como no externo e está fundamentada em Kelsen e sustenta a impossibilidade de dois sistemas jurídicos terem eficácia concomitante e um ao lado do outro. 

Somente existe uma ordem jurídica que abrange o interno e o externo. Ela abriga três subteorias: a) a primeira delas dá predomínio ao direito interno, partindo do conceito de soberania dos Estados, cujo pressuposto é a primazia do direito interno sobre o direito internacional. b) A outra vertente confere predomínio ao direito internacional, entendendo existir uma ordem internacional de interesses que paira sobre os Estados soberanos, atribuindo prevalência de aplicabilidade do direito internacional em face da lei interna. c) A terceira é a do monismo moderado admitindo a equivalência das normas interna e externa e recomenda o princípio da lei posterior para solucionar os conflitos entre elas.

Em face disso o que é importante é saber qual a melhor interpretação e qual o critério que devemos adotar para a solução dos conflitos. Na nossa tese de doutorado encontramos diversos caminhos para colmatar e resolver os conflitos na propriedade horizontal.

Afirmamos nas discussões travadas com os referidos professores que o aspecto material deve preponderar sobre o formal, no sentido de que aquele é superior a este na solução dos conflitos, pelo simples fato de que o material é a essência das coisas. O formal é simplesmente obrigatório dependendo de valores para sua aplicação.  Já dizia o professor José Manoel de Arruda Alvim Netto: valor vale.  Vale para Rui Badaró, para Ogusuku, para o professor Vargas Pereira, para aquele, para qualquer um, etc. Onde encontraremos a solução para o conflito se não for à própria Constituição Federal, mas não esquecendo que ela é o formal que aludimos.

O formal para a solução dos conflitos foi objeto de análise na ADIN 1.480 pelo Supremo Tribunal Federal e defendida pelo professor Rui Badaró e a discutíamos em 1998 no Curso de Especialização de Direito Tributário da Universidade de Sorocaba em face do célebre parecer de Fernando Henrique Cardoso proferido quando ministro da fazenda. De outro lado, Luiz Flávio Gomes entende que no instante em que um país subscreve a validade de um tratado amplia seus horizontes jurídicos e limita a soberania de ditar regras internas. Acreditamos que a tese ogusukiana é a que deve prevalecer porque o aspecto material merece preponderar sobre o formal. Entendemos com Paulo de Barros Carvalho que os tratados internacionais são veículos introdutórios de normas jurídicas na medida em que criam direitos e deveres a partir de sua vigência, seja na ordem interna como na externa. No artigo 102, III, “b” a Constituição Federal atribui ao Supremo Tribunal Federal a competência para declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal significando que a Constituição está acima dos tratados. Parece que não existe ordenamento jurídico que dê maior significância aos tratados do que a própria constituição (pensamento de Francisco Rezek).

Acreditamos que a Constituição Federal é um dos elementos para que possamos verificar e aferir os tratados internacionais e se eles estão subordinados no seu conteúdo para não colidir com regras substantivas e, também, na sua gênese, ou seja, na forma de sua produção. Parece que a tese do professor Rui Badaró é a da relativização desse preceito que vem sendo sufragado na Europa especialmente no caso da União Europeia. Lá as normas comunitárias preponderam sobre a dos países. Tal preponderância reside na autolimitação dos poderes soberanos dos Estados-membros, como forma de se obter a desejada integração.  Contudo, existem controvérsias e entendimentos doutrinários a respeito da superioridade da Constituição em relação aos tratados, a relação entre os tratados e a legislação infraconstitucional, anterior e posterior. O Supremo Tribunal Federal concluiu pela primazia da lei interna posterior sobre o tratado (RE n. 80.004). O professor Rui Badaró não defende essa última tese, e pelo que entendemos, sob o argumento de que haveria um enfraquecimento do direito internacional, deixando de cumprir regras internacionais e dificultando a integração entre os povos.

Entendemos com o devido respeito para que a tese do Professor Rui Badaró possa prevalecer tudo deve ser respeitado e integrado. Dizemos isso porque, se devemos internacionalizar as regras, devemos internacionalizar a pobreza, a riqueza e os demais bens.Vale aqui parodiar o senador Cristovão Buarque. Cristovão Buarque indagado a respeito da internacionalização da Amazônia disse estar concorde com essa mesma internacionalização. Todavia, devemos, disse ele, internacionalizar o Louvre, a reservas de petróleo do Oriente Médio, etc.

Conclusão: o aspecto material continua a preponderar sobre o formal. Podemos admitir a tese do professor Rui Badaró desde que exista de fato a internacionalização em sentido amplo, preponderando o social sobre o individual. Existe uma nova ordem que se contrapõe aos postulados do iluminismo e da Revolução Francesa. Existe uma nova ordem que defende que o social prepondera sobre o individual, bastando a tanto citar a disposição do artigo 421 do Código Civil brasileiro na qual o social prepondera sobre o individual (contrato) e o disposto no artigo 1.228, parágrafo primeiro do mesmo código na qual a propriedade deve ter função social. Enfim, com tais considerações vamos refletir e pensar de como poderemos programar essa nova ordem. Dezembro de 2010.

Haroldo Fazano